Bolsa de Valores | Aprecie com moderação

Hoje eu vou te explicar como funciona a bolsa de valores na prática. Vamos supor a hipótese da compra de um imóvel. Uma casa. Talvez sua família tenha crescido, e o espaço atual ficou pequeno; ou talvez você precise de um home office, já que a empresa liberou o trabalho híbrido; ou você se separou e vai ficar com os cachorros. Depois de muito pensar, nessa nova fase da sua vida, a escolha foi a compra de uma casa. Agora, adicione a essa hipótese uma ideia curiosa: todos os preços dos imóveis estão sempre pendurados na porta de entrada de cada casa, sendo atualizados diariamente, ao ritmo da demanda/oferta do mercado imobiliário. Há um detalhe bastante relevante aqui:  o preço é atualizado, independente da vontade do proprietário, isto é, se ele quer ou não comercializar o imóvel. Em suma, o preço de mercado é de conhecimento geral.

A procura

Então você começa a procurar a sua sonhada casa. Porém, você possui pré-requisitos para seu novo lar. Quer um bom bairro, com uma vizinhança acolhedora. Rua asfaltada e arborizada, é condição sine qua non. Um parque próximo, seria ótimo. Por último, uma localização conveniente, com supermercado e farmácia nas redondezas. Após alguns meses de procura e vários estudos das opções apresentadas, você finalmente escolhe e decide comprar uma linda casa. Mas lembre-se, todos os dias sua casa será precificada, independente da sua disposição em vende-la.

A casa perfeita

Nos meses seguintes à sua compra, você nota a majoração do valor de face do imóvel. Mas é claro! Você implementou várias melhorias e executou muitos reparos. Trocou a cerca quebrada. Pintou as portas e a janela. Plantou algumas flores. Os seus finais de semana são ótimos, passa bons momentos no local, aproveita a piscina e joga futebol com seu filho no gramado. A casa está perfeita.

Naturalmente, um período difícil na economia se instala no país. Uma crise financeira, como inúmeras que acontecem vez ou outra. Você percebeu que, no dia seguinte, o valor exposto em sua porta caiu aproximadamente 5% comparado ao dia anterior. E, subitamente, conforme os dias vão passando, o valor do seu imóvel só decresce. Nesse período, você nota algumas valorizações, porém nos dias seguintes o preço do imóvel voltar a cair. Passados alguns meses nessa dinâmica, a casa acumulou uma desvalorização considerável e você entra em desespero. “Mas nada mudou!” você pensa.

A decisão

Sua casa está linda, perfeita. Inclusive, há agora inúmeras benfeitorias. Até um jardim suspenso você plantou! Porém, agora o preço informado é de aproximadamente 60% pelo qual você pagou na época. Inclusive, um sujeito bate à sua porta e te informa que se dispõe a comprar a casa pelo preço estabelecido no umbral. Você, atordoado com toda a situação e com uma aflição tremenda de os preços caírem mais, banhado no desespero de ver a desvalorização do seu ativo, cede à oferta e vende a casa.

Passado poucos meses, algo curioso acontece. A economia começa a dar sinais de recuperação. Os empresários estão mais confiantes e tiram seus projetos do papel, aquecendo o mercado de trabalho. O governo atua em alguns setores, cortando impostos. Os juros caem e a inflação, enfim, permanece comportada. Os preços das casas estão aumentando novamente, inclusive a que você vendeu. 5% de valorização hoje, 3% amanhã. E, depois de algum tempo, passeando pelo bairro onde você morava, lá está o preço da casa, novamente no valor inicial que você pagou. Muito maior que o negociado por você no passado.

Mas infelizmente, você não tem mais essa casa. Vendida às pressas, tomado pelo desespero de ver a desvalorização constante. Angustiado e despreparado.

Bom, a bolsa de valores é assim.

A bolsa de valores é exatamente assim. As empresas (ativos), são as casas. Apesar de possuir algumas empresas boas que geram retornos constantes, outras, por enquanto, são só promessas. Por isso estudamos para poder comprar uma ação, bem como estudamos antes de comprar uma casa. O bairro bom com uma vizinhança acolhedora é equivalente ao setor inserido. Projeção de crescimento e valorização no segmento também são importantes. A rua asfaltada, arborizada, com parque, mercado e farmácia próximos, são aqueles dados importantíssimos dos balanços patrimoniais e das demonstrações contábeis. Número adequados, informando saúde financeira são itens essenciais. As benfeitorias executadas, como a cerca nova e as pinturas, são novas políticas, aquisições, fusões e estruturações. Itens geradores de valor ao negócio.

Por fim, os bons momentos passados ao redor da piscina e no jardim, são os dividendos, as bonificações, os juros sobre capital próprio e tão famigerada valorização do capital. A casa continuou sendo a mesma boa casa que você comprou lá trás. O mesmo acontece com a ação de uma boa empresa.  

Curto Prazo | Longo Prazo

Temos grande dificuldade em aceitar a precificação negativa dos ativos. Nosso cérebro tenta nos defender, mandando nos desfazermos de tudo aquilo que não esteja trazendo algum resultado, no mínimo satisfatório, no curto prazo. É o nosso instinto de sobrevivência que está incrustado e enraizado em cada centímetro do nosso corpo, falando: “é o hoje que importa, amanhã não sabemos, um grande predador pode nos atacar”. Mas como é difícil se desvincular dos nossos instintos naturais, não é? Como diz Morgan Housel, autor do best-seller A Psicologia Financeira (2021):

“Você não é uma planilha. Você é uma pessoa. Uma pessoa perturbada e emocional. Levei um tempo para descobrir isso, mas depois que deu um clique, percebi que é uma das partes mais importantes das finanças.” 

Muitas vezes nossos sentimentos são enganosos e nos levam ao erro. Por isso, é importante entendermos qual o real apetite – a tal tolerância – ao risco e às oscilações do mercado. É muito mais estômago do que cérebro. O famoso Suitability, muitas vezes negligenciado e feito às pressas, visto como burocracia, pode deixar cicatrizes. Para completar, clareza nos objetivos financeiros e o entendimento do real conceito por trás do “longo prazo” é crucial.

Por fim, você estará pronto para as oscilações (nem sempre justas) da bolsa de valores. Aprecie com moderação essa montanha russa de precificações.

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